“No ChatGPT, perguntei quais eram as dez maiores empresas da década de 60 em faturamento. Eram automotivas e petrolíferas. Fiz a mesma pergunta em 2020. Nenhuma das anteriores foram listadas. Mas veio a Toyota e a Volkswagen. O que mudou? O segmento é o mesmo, o público é o mesmo, mas a maneira como o produto é percebido é que mudou. A tecnologia vem mudando tudo isso”, disse o diretor de Tecnologia da Aegea, Eduardo Mendes, na abertura do painel “Olhar conectado para o futuro”.
Para entender as mudanças e se preparar para o futuro, o cientista-chefe da Digital Strategy Company, Silvio Meira, professor que se dedica à inovação há 30 anos, mostrou como a inovação muda o mundo e como isso afeta a perspectiva de longo prazo de sobrevivência de qualquer coisa.
“Ao contrário do que todo mundo pensa, a inovação tem uma definição extremamente simples e universal. Essa é de 1972, resistiu ao tempo, é bem básica: inovação é a mudança no comportamento de agentes do mercado, como fornecedores e consumidores. Não depende de tecnologia, de mais nada. Quer um exemplo? PIX.”
Para ele, a inovação tem dois sabores, dois tipos – um é o incremental. É um conjunto de degraus, não homogêneos, diferentes uns dos outros. Se você aprender a subir um mais alto e largo não quer dizer que você vai conseguir subir um mais baixo e estreito.
“Cada degrau tem as suas especificidades e a gente sabe muito bem disso no Brasil – fazer bem-feito no Norte não nos capacita para fazer bem no Sul, mesmo que seja a mesma coisa. Quer dizer, inovação, mesmo quando ela é incremental, é difícil de fazer. Assim como performance – em lugares diferentes, é difícil repetir de forma coerente, consistente, produtiva e lucrativa.”
Outro tipo de inovação é a radical ou transformadora, também chamada de ruptura.
“Inovação de ruptura é um termo que não é correto, mas não vamos conseguir mudar mais. É como se aparecesse um batente enorme e nós ficamos nos perguntando como fazer para subir. É uma curva em S que começa do zero e sobe quase verticalmente.”
O exemplo dado foi o do bip (ou bipe, também chamado de pager). Quem usou o bip? Cadê o mercado do aparelho em que você ligava para a empresa de telecomunicação que enviava a mensagem para quem você queria. Era muito usado por médicos; esse mercado sumiu. O que estão fazendo os grandes mestres em bip? Repousando no grande cemitério do CNPJ.
“Das empresas de 60, como o Eduardo disse, não tem mais nenhuma liderando o seu setor. Essa inovação de batente, de curva em S, é de um regime ‘de–para’. Você sai de um estado de coisas em que você entende tudo o que está acontecendo, sabe o que faz, para quem, por quê, enfim, todas as razões. No modo ‘para’ você não sabe direito o que faz, para quem, quem mede, qual a performance disso e assim por diante”, afirmou.
“O resultado é que ninguém quer fazer. Todo mundo é a favor da inovação, desde que eu não faça, porque é difícil fazer, principalmente se for uma mudança que causa uma ruptura.”
“Antes da internet tinha o fax e para uma empresa inovar era assim: olhe para uma empresa que usa fax e coloque ela na internet. Mas escreva a empresa com a internet embaixo e não usando o fax e o transformando na internet. Pense em rede e veja como você acaba com a empresa que usa fax. Então o tempo todo tem gente que olha para a gente, estamos bem estabelecidos, alastrando a nossa base para o mercado todo e fica pensando – qual é o fax daquela empresa, como eu ataco o fax dela? Como eu a torno obsoleta? Esta é a questão”, pontuou.
“Inovar e empreender são mais ou menos as mesmas coisas e elas acontecem no mercado. Qual o contexto atual para a gente inovar, para mudar o mundo? O contexto é o seguinte: aqueles mercados onde a inovação acontece são mercados em rede. Lembre-se: inovação é mudança de comportamento de agentes do mercado como consumidores ou fornecedores de qualquer coisa. Se não mudar o comportamento dos dois lados, pode trazer a Nasa que não tem inovação, é só uma nova tecnologia no mercado.”
As pessoas têm de mudar os seus comportamentos como consumidores e fornecedores. Mercados em rede foram criados a partir da internet. Isso tem 50 anos. Nós não vimos ainda o ápice dessa transformação, dessa mudança. Entre 1974 e 2024, passou de pouco mais de 40 servidores para mais de 500 sistemas de fibra óptica, atracando em mais de 1.500 no mundo inteiro. No Brasil, um dos países mais desiguais do mundo, com áreas extremamente pobres, 81% da população com mais de 10 anos de idade tem um smartphone com conta de dados em rede.
A internet permite que pessoas e instituições se conectem, estabeleçam relacionamentos e interajam porque as plataformas facilitam a implantação de comunidades. E plataformas e comunidades acontecem em determinado espaço, que é totalmente diferente da situação da década de 70, quando a GE era o maior negócio do mundo. Hoje é digital. A internet criou o espaço virtual.
O mundo passou a ser phygital ou figital, onde acontecem duas mágicas: a internet transforma duas coisas: público em redes e audiência em comunidades. Plataformas habilitam conexões, relacionamento e interações, que formam comunidades, e isso muda o mundo inteiro, inclusive o marketing de negócios, e nas comunidades acontecem interações que criam significados; por exemplo: de demandas, que levam a transações, formando os mercados em redes.
“É claro que a gente entrega coisas físicas, mas a entrega é feita em espaço figital. Nossos clientes são físicos, mas eles interagem entre eles no espaço social, e conosco, no espaço digital, e, em alguma hora, a gente deveria interagir com eles no espaço social.”
Segundo o professor, a inteligência está sendo transformada de forma dramática. A inteligência individual tem três dimensões: informacional, onde recebemos, processamos e armazenamos e, a partir do que é armazenado, conseguimos recuperar e reestruturar os dados; outra é a de socialização, por meio da qual conseguimos nos articular com outros agentes de informação, e a terceira, que é a nossa autonomia.
“Quando juntamos várias inteligências individuais, elas se tornam uma expertise coletiva, que é resultado da gente criar conhecimento em conjunto, de desenvolver habilidades específicas para o negócio, que gera desenvolvimento social e humano.”
Silvio explica que, entre as duas inteligências, individual e social, surgiu a terceira, a artificial. Não como uma nova ferramenta, mas como uma nova dimensão da inteligência. “Se a gente não pensar assim, a gente perde uma parte da percepção ao nosso redor”, diz.
“A gente aprendeu a trabalhar em rede. Ninguém sozinho poderia fazer uma Aegea. Ninguém sozinho poderia dar conta do trabalho que está sendo feito. Por isso temos líderes, por isso treinamos. Nós aprendemos a fazer em duas dimensões, agora temos uma terceira. Nós deveríamos prestar atenção nisso para não ficarmos obsoletos como seres humanos.”
Para o professor Silvio Meira, como mudou o espaço interativo ao nosso redor, inovar e empreender agora é a mesma coisa que aprender. A gente tem de reaprender o que a gente vinha fazendo. Ainda estamos tentando entender quais são todas as implicações da internet do ponto de vista de comunidades, plataformas, impactos sociais, ambientais, assim por diante, mas o desafio não é aprender IA, é empreender com inteligência artificial, com uma nova dimensão.
“Depende de estratégia, que é um processo de transformação de aspiração em capacidades. Se a gente não aprender a empreender coletivamente, a gente tem um problema. Para aprender, tem de ser mais rápido que o contexto, para não ficar obsoleto. E olhar para o contexto fora do nosso, inclusive. Tem alguém de outros mercados que pode invadir o nosso? Se tiver, temos de nos preocupar com isso.”
“Como começamos uma empresa?”, pergunta o professor. “Reunimos conhecimento tácito, criamos novos e capturamos o que existe no mercado. Em função disso, e interagindo, a gente socializa conhecimento entre nós, que fazemos a performance, e com os outros que demandam ou dependem da nossa performance”, responde.
E continua: “A gente começa a organizar e transformar esse conhecimento em explícito em um processo de formalização – cria regras, conselhos, mecanismos de responsabilização e entra em outro ciclo. É uma espiral, você vai fazendo isso o tempo todo. Se você não tiver mecanismos de transformar conhecimento formal em informal, em um processo de captura, criação e interação que vai regenerar o funcionamento do negócio, você morre”.
“Então, todo negócio é uma forma de aprender. Manter o negócio competitivo no longo prazo é aprender constantemente. Aprender se tornou onlife – a vida toda, o tempo todo e online. Negócios sustentáveis se organizam como escolas. É onde a gente cria conhecimento para ir para o futuro – ou seja, traz conhecimento do futuro para o presente.”
Focar nas pessoas; se concentrar apenas em água e esgoto não tem futuro. Energia, por exemplo, eu só valorizo quando falta. O que as pessoas querem de você? As pessoas que usam água? O que elas querem? A gente tem de se especializar ouvindo as pessoas ao redor. Ouvindo o contexto. Não adianta ficar ligado só no negócio, sem saber das concessões e outros negócios ao redor. Isso não vai ser bom para nós.