REGULAÇÃO

edição 38 | 2023 | janeiro a março

A história do saneamento

INTERESSE PÚBLICO TEM DE PREVALECER PARA ATINGIR A UNIVERSALIZAÇÃO

Lucilaine Medeiros,
diretora Jurídica da Aegea.

Texto: Rosiney Bigattão

O que a regulação dos contratos jurídicos tem a ver com sustentabilidade? Para entender o déficit de saneamento hoje, com 35 milhões de brasileiros sem água e 100 milhões sem acesso aos serviços de coleta e tratamento de esgoto, o que faz com que convivam com uma série de dificuldades no dia a dia hoje e se diminuam as perspectivas de um futuro melhor em suas vidas, a diretora Jurídica da Aegea, Lucilaine Medeiros, volta o olhar para uma trajetória que começa no ano de 1934, e relembra a história da regulação no Brasil.

“O primeiro instrumento de controle do uso de recursos hídricos no Brasil é de 1934, o Código das Águas. Era genérico, dizia que devia ter os serviços e eles eram prestados pelos municípios. Foi só a partir de 1969, quando o governo federal instituiu o Planasa, o Plano Nacional de Saneamento Básico, que se começou a falar em investimentos. O Planasa vem como um normativo regulador para o setor. Estabelece que, para os municípios terem acesso aos recursos, eles deveriam fazer um convênio de cooperação com os estados. A partir daí, surgem as Companhias Estaduais de Saneamento Básico”, afirma Lucilaine.

O Planasa – Plano Nacional de Saneamento Básico

Começam a ser feitos os contratos de programas, os convênios de cooperação e a união entre os municípios e estados para a prestação dos serviços. “No começo teve um avanço, pois o Planasa foi uma lei reguladora, mas foi pouco. O cenário era o de déficit de recursos, autorregulação das companhias estaduais sem definição de políticas públicas claras, tarifas elevadas e o saneamento não avançou. Depois veio a Constituição Federal de 1988, fortalecendo o papel dos municípios, causando choque com as estatais”, conta ela.

Em 1986, acaba o Planasa e fica um gap muito grande de regulação, segundo a diretora. “O setor de saneamento não tinha mais nenhuma diretriz específica, as companhias estaduais continuaram prestando serviço, como prestam até hoje. Em 1993 veio a Lei de Licitações e, dois anos depois, a Lei de Concessões. Muitos municípios, a exemplo de Campo Grande (MS), retomam esses serviços porque entendem que precisam de investimentos para fazer saneamento. Fazem a rescisão dos seus contratos de programas com o estado e abrem licitações para trazer investimento privado, porque sabem que com a capacidade econômico-financeira do prestador privado era possível mudar a situação”, diz Lucilaine Medeiros.

Falta de segurança jurídica não atraía investimentos

“Então nós temos vários setores de infraestrutura extremamente regulados – energia, rodovia – com uma regulamentação nacional, ao passo que o saneamento estava totalmente pulverizado, agências municipais, estaduais, cada uma regulando a seu modo: então tinha em um município uma forma de aprovar reajuste, no outro era outra forma completamente diferente. Naquele momento, alguns projetos começam a ser colocados no papel e a serem implantados, mas, apesar de ter uma lei que permite a concessão do serviço, havia muita insegurança jurídica pela instabilidade regulatória”, conta ela. “Olhando para fora, perceberam que não tinha investidor estrangeiro aportando recursos aqui e um dos pontos foi a falta de segurança jurídica”, complementa.

A Lei do Saneamento

“Em 2007, com a Lei do Saneamento, que é a 11.445, foi um marco para o saneamento, pois vem com a entidade reguladora, com normas de cobrança de tarifa e toda a segurança jurídica. O mercado começa a se aquecer, principalmente com a Lei das Parcerias Público-Privadas, que cria um ambiente mais propício e de segurança regulatória. Os investimentos começam a vir, junto com o PAC, o Programa de Aceleração do Crescimento”, afirma.

“Algumas estatais constataram a falta de capacidade de investir e foram buscar um parceiro privado. Começam a surgir as PPPs; a Mirante, em Piracicaba (SP), foi a primeira da Aegea, onde foi feita a universalização do esgoto. Depois vieram as unidades do ES, a Sanesul, com 68 municípios em MS, a Cagece, que assinou o contrato para o Bloco 1 de Fortaleza (CE), recentemente; falta consolidar o Bloco 2. Tem diversos modelos regulatórios sendo instituídos”, diz a diretora.

O novo Marco Legal do setor

Com a Lei nº 11.445/2007 também aumenta o número de concessões plenas no Brasil. “Com elas, é concedida a operação para a iniciativa privada dos serviços de água e esgoto. A publicação da lei em 2007 previa um volume muito maior de investimentos, mas isso não aconteceu. Por isso, em 2020, vem o novo Marco Legal do Saneamento, a Lei nº 14.026/2020. Nesse meio-tempo, antes da lei, alguns mitos ficaram impregnados, como ‘o privado só quer o filé, não quer o osso, quando você licita um serviço, deixa um município pequeno para trás’, e assim por diante. Agora, muitos deles estão caindo por terra, principalmente com a ação de empresas como a Aegea”, aponta ela.

Segundo ela, dois pontos importantes foram colocados na 11.445: o primeiro, a questão da regionalização. “Para ter escala e poder alcançar a todos. O segundo era não poder ter mais contrato de programa, que era feito entre o estado e o município, que decorre lá do Planasa, que prevaleceu por muitos anos e continuaria se a lei não tivesse mudado. Os contratos não podem mais ser prorrogados, ou seja, a estatal só pode continuar prestando serviço se ela passar por um processo licitatório competitivo, como acontece com o privado”, explica.

Harmonização de regras

“A lei trouxe a matriz de risco dos contratos, estabelecendo como devem ser os contratos, para falar qual a responsabilidade de cada um. Isso traz segurança para os investidores. Devem também ter metas de universalização definidas, atingindo as metas propostas para 2033: atingir 90% de coleta e tratamento de esgoto e 99% de água. Estabeleceu que todo serviço deve ser regulado, mesmo que seja de forma direta, ou seja, o próprio município, se prestar serviço por meio de uma autarquia, precisa ser regulado, para fazer harmonização de regras, todos embaixo de um guarda-chuva. E a ANA, a Agência Nacional de Águas e Saneamento Básico, vai trazer normas de referência para esses reguladores, estabelecendo normas para contratos, indenizações, reajuste tarifário, reequilíbrio contratual, indicadores e padrões de qualidade para esgotamento e índice de perdas de água nesse arcabouço jurídico”, aponta Medeiros.

“Olhando no retrovisor, onde estamos hoje, e olhando para a frente: nós somos uma das poucas companhias privadas que defendemos a PPP. Isso dá conforto para o outro lado, para as estatais. As outras querem concessão plena, que é ótimo, é maravilhoso, mas a gente sabe que é possível o trabalho de parcerias; a Aegea acredita na complementaridade entre o público e o privado, na forma que for. Tem de ter a união dos dois para alcançar a universalização”, afirma Lucilaine.

Segundo ela, a regulação traz a segurança jurídica para essa relação, seja o privado prestando diretamente, o privado em conjunto com o público, o público prestando diretamente, em qualquer caso, a regulação é o ponto importante para trazer harmonia, estabilidade e segurança jurídica para os investidores.

O interesse público tem de prevalecer

“A Aegea soube aproveitar os momentos e atrair recursos estrangeiros com uma governança estruturada. A Aegea sabe operar nos pequenos municípios e, quando chega, a primeira coisa que ela faz não é olhar para os grandes clientes, mas sim mapear todos os vulneráveis para que eles sejam inseridos no sistema. Acreditamos na complementaridade para alcançar o objetivo macro da universalização. O princípio norma da Aegea é: atender a todos aonde ela chega, independente de público-alvo, mas especialmente os vulneráveis”, afirma a diretora.

A Aegea sempre vê oportunidades em todos os projetos pelo conceito de complementaridade, independente do cenário em que está esse projeto. “Temos capacidade de agregar valor em todos os projetos porque, para nós, o interesse público tem de prevalecer. A Aegea sabe atender a esse interesse por meio da prestação de serviços, incluindo comunidade, os vulneráveis, os grandes clientes, faz parcerias com indústrias, sempre entra para agregar àquela população onde ela teve permissão para entrar. Como ela sabe fazer isso muito bem, está no objetivo e no propósito dela, ela vai em frente. Não tem como ter universalização sem a parceria entre o público e o privado”, finaliza Lucilaine.