EDIÇÃO 42 - 3º TRIMESTRE - 2024

OPINIÃO

Moradigna

Impacto social na habitação é um exemplo a ser seguido

Matheus Cardoso foi um dos palestrantes do Encontro de Líderes da Aegea. A verba que recebeu foi doada para a reforma de um banheiro.

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Artigo de Matheus Cardoso a partir da participação no Encontro de Líderes*

O Moradigna surgiu em função da minha vivência no Jardim Pantanal, às margens do Rio Tietê, um local que sofreu muito com as enchentes e inundações que tornam as casas insalubres – com mofo, sem ventilação, sem iluminação e vários problemas que impactam negativamente a vida das pessoas. No nosso país, são 40 milhões de pessoas vivendo em casas insalubres. Um a cada cinco brasileiros tem a sua saúde prejudicada por conta da sua própria casa. Isso tem de mudar.

Minha família sempre incentivou a educação como o único caminho para sair dessa realidade. Eu levei a sério: fiz faculdade e aprendi o que era desigualdade social. Não é porque a gente vem de uma situação de escassez social que sabemos o que é desigualdade social, nem mesmo quem vem de uma situação de abundância sabe. A descoberta vem quando a gente transita entre esses dois universos e aí faz o comparativo.

Levar dignidade às pessoas e diminuir a desigualdade social

Depois que você descobre, ou você vive alienado, como se a desigualdade social fosse algo de filme, que não existe no Brasil, ou toma consciência e daí você nunca mais consegue viver da mesma forma. E nós somos a única espécie no mundo capaz de perpetuar a desigualdade. O Moradigna surgiu para mudar isso, para levar dignidade para as pessoas. Na época, eu era estagiário, a minha era a única renda da minha família e eu não podia largar tudo para empreender.

Era preciso mão de obra, gestão e materiais para a obra. A primeira reforma pelo Moradigna foi feita com um cartão de crédito emprestado, um padrinho como pedreiro e eu fazendo a gestão; no auge dos meus 19 anos acreditava que sabia fazer. Depois, fizemos mais quatro, mais sete e hoje já são mais de 4.000 reformas na Grande São Paulo. São oito anos empreendendo, fazendo com que as pessoas morem em condições mais dignas.

Atendimento à população em situação de vulnerabilidade

O que é o Moradigna? Oferece mão de obra, materiais e gestão em reformas que duram em média até cinco dias, com tíquete médio de R$ 500 e financiamento com parcelamento, garantia de um ano. O diferencial é atender a população vulnerável. Não vendemos obra barata, pois reformar banheiro não é barato, vendemos obra acessível. As famílias não têm R$ 9.000 para pagar em seus banheiros, mas elas conseguem pagar 10 parcelas de R$ 900 ou 20 parcelas de R$ 450 – então, é financiar esses valores para que elas consigam ter acesso a essa dignidade.

São obras simples, pequenas intervenções que fazem grandes mudanças na vida das pessoas. Mas o grande diferencial é o atendimento. Um exemplo de entender que as necessidades do cliente vão além do escopo do nosso trabalho veio da Ana Paula, uma cliente que me disse que estava muito feliz com a reforma. Quem fica feliz com a reforma enquanto ela acontece? No caso da Ana Paula, o pedreiro instalava o vaso sanitário velho todo dia antes de ir embora.

Transformar experiências em processos

Ali eu entendi que ele foi além de mim, que era o gestor, pois aquele era o único banheiro da casa e não tinha como aquelas oito pessoas ficarem sem banheiro. Não era o lavabo, o segundo banheiro, o da suíte, mas o único da casa. Com sua atitude, o Pedro me lembrou por que a Moradigna existia. Como você transforma experiências assim em processos dentro da empresa? Como criar mecanismos para que esse tipo de atendimento aconteça outras vezes, com experiências únicas, independente do Pedro ou do Matheus, mas dependentes de um processo?

A partir daí, criamos um momento em que reunimos os pedreiros para contar, não só sobre a obra, materiais e cronograma, mas a história das famílias que vão ser atendidas. Para que eles tenham mais empatia com elas. Mostramos que o piso precisa ser instalado porque a dona Maria está com bronquite ao andar no chão sem revestimento. É fazer a janela porque a Josefa e as crianças têm pneumonia, já que não circula ar na casa.

Quando se tem acesso a essas informações, as pessoas agem de maneira diferente. Nos reunimos presencialmente, por Whats, de várias formas, o importante é que sem essas informações a obra não começa. Isso é fundamental para a Moradigna porque, de cada dez clientes, sete vieram por indicação – 70% das obras.

Permanência da empresa depende do bom atendimento

Somos uma empresa pequena, não temos verba para marketing, nossa existência depende do nosso bom atendimento. Uma estratégia que tem funcionado, diante da  nossa necessidade de dar agilidade às obras e feedback rápido para os nossos clientes, foi criar momentos de atualização.

Depois de algumas tentativas tecnológicas fracassadas, combinamos que todos os dias, às 10h30 e 14h30, todos os envolvidos têm de encontrar um local com sinal para atualizar os dados e todos ficarem sabendo o que está acontecendo. Já tem seis anos e está dando certo, pois traz informação real time e agilidade para o nosso negócio, faz com que a gente se mantenha no mercado.

Estamos falando não só de um serviço, mas de algo essencial à vida. Se cada um de nós tiver consciência do nosso papel, podemos, sim, fazer a diferença no mundo.

Verba da participação no Encontro de Líderes foi usada na reforma de um banheiro para uma família que não poderia pagar o custo da obra.

*Mais sobre o autor

*Matheus Cardoso é empresário, engenheiro civil formado no Mackenzie, pós-graduado em Empreendedorismo, mestre e doutor em Inovação Social, técnico em Edificações e criador da Moradigna, empresa de impacto social na habitação.