edição 36 | julho 2022
Por Theo van der Loo*
Nós, brasileiros, precisamos estar cada vez mais conscientes de que, se a gente quiser um país melhor, o primeiro passo começa com cada um de nós, por menor que seja. No caso do racismo, não é diferente. As pessoas sempre me perguntam por que eu, um homem branco, bem-sucedido, me envolvi com a questão racial. O meu envolvimento começou com um olhar de estranhamento. Eu sou filho de holandeses, e quando eu tinha 12 anos tive o privilégio de morar e me formar na Europa, depois fiz um MBA nos Estados Unidos e, quando voltei ao Brasil, já com 25 anos, fui para o Rio de Janeiro. Quando vi a Favela da Rocinha, levei um susto, pois tinha esquecido de que isto existia.
Eu fiquei pensando: como um país vê essa desigualdade e pensa que está tudo bem? Como aceitamos uma pessoa pedir esmola no semáforo e achamos que está tudo bem? Quando você entra em um restaurante mais fino e praticamente não vê clientes negros, sentados, só no vallet parking e/ou na cozinha, não precisa de estatística para saber que alguma coisa está errada. Muita gente acha isso normal, mas a maior parte da população pobre é negra, a maioria dos jovens que não têm acesso à educação é negra e quase ninguém faz estas perguntas. Nós temos de inverter: em função do racismo as pessoas não tiveram acesso à escola e, também em função dele, tiveram uma desvantagem econômico-financeira.
Por coisas assim comecei a me dar conta do meu lugar de escuta. Ao invés de usar a inteligência para ficar justificando o lugar de privilégio que o branco ocupa, eu passei a atuar. Quando eu era CEO da Bayer, eu fiz uma pergunta muito intuitiva: por que não havia negros e nenhuma mulher na liderança de marketing e vendas de uma empresa em que grande parte dos produtos produzidos era para a saúde da mulher? Em 2004 nós colocamos uma negra para liderar a área, fruto de um processo intuitivo, e eu usei muita intuição nessa jornada. Eu já saí da Bayer, mas plantei uma sementinha lá: a CEO atual da Bayer é uma mulher, a divisão da América Latina para o agronegócio é comandada por um homem negro.
Essas mudanças acontecem na sociedade e eu tenho certeza de que a questão racial vai evoluir. São iniciativas como o Programa Respeito Dá o Tom, da Aegea, que eu acompanho desde o início, que vão ajudar. Naquela época (2017), poucas empresas tinham um programa tão arrojado, tão completo. Hoje muitas empresas falam sobre diversidade, mas 65% delas não têm nenhuma estratégia e o tema racial acaba ficando para depois. O homem branco precisa se dar conta de que pode mudar esta situação, pois ocupa 90% dos cargos mais importantes. São poucas mulheres no comando. Nós, homens brancos, precisamos fazer uma reprogramação, pois não fomos educados para isso.
Quem contrata e promove pessoas tem um papel fundamental em quebrar este ciclo. Hoje tem muito CEO falando nisso, e eles vêm me contar que se sentem melhores como pessoas e é maravilhosa essa transformação que está acontecendo. Tenho certeza de que vamos avançar muito nos próximos dez anos, até porque quando eu comecei não tinha CEO falando nisso. As pessoas me diziam: você está louco, esse tema do racismo é de RH. Mas, se a empresa quer falar em diversidade, precisa ter esse envolvimento das lideranças. Se você é uma pessoa branca, tem duas opções: fazer uma selfie e postar em algum lugar ou ajudar a fazer o filme. A segunda dá mais trabalho, mas será perene e trará maior satisfação.
A questão racial agora está muito evidente, tem maior pressão, não dá mais para jogar embaixo do tapete. A alta liderança precisa refletir sobre a questão. Colocar a pauta no Conselho de Administração, nem que seja por cinco minutos. Outra maneira é colocar metas, para pesar no bolso – não ganha se não se envolver com a questão da diversidade. A Aegea colocou metas de desempenho para 2030 e isso é ótimo. Eu tenho certeza de que a empresa vai chegar lá antes disso. Eu faço uma brincadeira com os CEOs em relação ao Programa Respeito Dá o Tom e digo: o CEO dá o tom. Mas isso é sério, se a alta liderança der o exemplo, é meio caminho andado. Quando ela se engaja, muda o clima, as pessoas ficam mais felizes e, por conseguinte, geram mais resultados também. O único risco que existe em relação à questão racial é o de não fazer nada.
Theo van der Loo é consultor de diversidade e managing partning nevele consulting. Formado em Administração, com especialização em Marketing nos Estados Unidos, o ex-CEO da Bayer é de família holandesa e nasceu no Brasil, em São Paulo.