ENTREVISTA

edição 39 | 2023 | abril a junho

O futuro da água

AGENDA ESG PODE GARANTIR CONSERVAÇÃO DOS RECURSOS

Édison Carlos, presidente do Instituto Aegea e diretor de Sustentabilidade.

Entrevista a Rosiney Bigattão

Qual o legado da Conferência da Água da ONU, realizada em Nova York em março deste ano, para a reflexão que vai nortear os próximos passos?

A Conferência da Água foi um dos eventos mais importantes dos últimos tempos. Primeiro porque fazia mais de 30 anos que a ONU não dedicava uma conferência especificamente ao tema da água. E havia uma cobrança dos países-membros pela insegurança que a questão climática causa na água em todo o mundo. A conferência é muito importante por marcar o reinício deste tema, com essa força, nas Nações Unidas, equivalente às preocupações do clima. Se espera que essa conferência deixe legados principalmente de debates mais frequentes sobre possíveis soluções para aumentar a resiliência hídrica em todo o planeta; todo mundo sabe que um dos principais problemas gerados com a mudança climática é a insegurança no regime de chuvas, onde vai chover e quanto vai chover. Então foi uma semana muito intensa de debates, com apresentação de tecnologias, metodologias, uso racional da água, controle da água existente, mas também preocupação dos países, das ONGs, das empresas, com o futuro da água e o uso melhor para todas as suas aplicações.

Esforço pela universalização, atendimento à população mais vulnerável, relação do clima com a água foram temas da Aegea no evento; como foi?

A conferência principal é fechada para os países-membros, para os governos, mas aconteceram vários eventos paralelos dentro da própria sede da ONU, onde a Aegea teve a oportunidade de participar de vários. Foram muitos temas de que os representantes da Aegea puderam falar: fornecimento de água para populações vulneráveis, eficiência na distribuição da água e a relação cada vez mais estreita do clima com a questão da água. A Aegea foi destaque no evento promovido pela Rede Brasil do Pacto Global no último dia, além de ser a patrocinadora. No painel, eu pude falar sobre os esforços da Aegea pela universalização do saneamento, mas principalmente o nosso foco em atender as pessoas mais vulneráveis com o Vem Com a Gente, com a extensão da Tarifa Social, com o exemplo de Manaus, levando água para as palafitas, o esforço nas favelas no Rio de Janeiro, a despoluição da Baía de Guanabara e outras ações nos pilares ESG que a Aegea desenvolve.

Qual o futuro da água no planeta? As previsões são alarmantes, mas há esperança de que nossas ações possam mudar o que está por vir?

Eu diria que as discussões não foram catastróficas nem otimistas, mas sim realistas, porque fica cada vez mais claro que um dos maiores impactos da mudança climática é na segurança da água. A água é a mesma desde que os dinossauros estavam na Terra, o volume é o mesmo, só que o problema é que não se sabe onde vai chover, com que quantidade de água vamos poder contar e os registros históricos de pluviosidade têm servido cada vez menos para prever o que vai acontecer. No Brasil, por exemplo, este ano choveu muito no Nordeste, pouco no Rio Grande do Sul; isso no mundo todo é um foco de dúvidas para muitas empresas, principalmente de água, e faz com que as empresas e as cidades se preparem para esse novo momento. Períodos de muita chuva em poucos dias que podem ser seguidos de meses de estiagem. Então, como se preparar para esse volume grande de chuvas? Armazenar mais água, informar melhor a população para usar a água de forma racional ou melhorar a redução de perdas são temas do mundo todo, mas, como o Brasil tem um déficit de saneamento maior, aqui vamos ter de correr mais para resolver esses temas de resiliência hídrica.

Como as empresas privadas podem participar da virada necessária, principalmente porque o assunto envolve a produção de alimentos?

A agricultura, em média, é responsável pelo consumo de mais de 60% da água doce, seja subterrânea ou superficial, então é necessária cada vez mais a participação do agronegócio nas discussões sobre água. É um setor que historicamente se envolveu pouco, o tema de resiliência hídrica ficou muito com a indústria e empresas de saneamento e de energia elétrica, mas é superimportante porque a produção agrícola e a criação de gado usam muita água e sofrem muito impacto quando não a têm, então esse setor está cada vez mais chamado à mesa no sentido de discutir, pois é um problema não só do setor, mas um problema de alimentação do Brasil e de todo o mundo. É um setor que precisa participar mais.

Quais têm sido as principais contribuições da Aegea para cuidar da água que passa pelas mãos dela?

Como uma empresa que fornece água, coleta e trata esgoto 24 horas por dia para milhões de brasileiros, o tema da água é fundamental, faz parte do dia a dia da companhia. Temos uma série de ações, como a parceria com a Climatempo para aumentar a previsibilidade de chuva nas bacias hidrográficas onde a água é captada. Também existe uma atuação muito forte de combate às perdas na distribuição. Geralmente, quando a Aegea assume uma nova concessão, a perda nas cidades é alta – foi assim em Manaus, em Teresina e, mais recentemente, no Rio de Janeiro. Daí são necessários grandes investimentos para diminuir e este é um trabalho constante da Aegea. Um exemplo é o sistema de combate às perdas com satélite no Rio de Janeiro, com tecnologia israelense. Outra frente é para aumentar a resiliência hídrica nas bacias hidrográficas; estamos começando uma parceria com o BNDES e estudos com o WWF. São ações muito relevantes e a Aegea investe pesado porque a água é o coração da empresa, matéria-prima nas concessões plenas e PPPs. Tem uma área dedicada à engenharia hídrica, todos pensando em soluções, novas tecnologias e em recursos financeiros para que tudo isso aconteça.

Em relação às mudanças climáticas que já estão acontecendo?

A Aegea tem várias ações de resiliência hídrica, como a parceria no Floresta Viva, com o BNDES, que prevê o reflorestamento e é uma forma de reter o carbono, diminuir a pegada da própria Aegea. Tem ainda uma área de engenharia de baixo carbono que está fazendo uma série de estudos, visitando empresas de tecnologia no mundo todo para verificar novas formas de mitigar, principalmente, o metano nas estações de tratamento de esgoto, em especial no Rio de Janeiro, onde a Aegea tem grandes estações. O metano, resultante do tratamento, pode ser usado como biogás. O lodo, na geração de fertilizantes. Ou ainda geração de energia elétrica. Estamos no terceiro ano do CTG Protocol, a Aegea está presente neste relatório com o Selo Ouro, que é a maior categoria entre os inventários. É um tema que a Aegea está perseguindo, pois a empresa está crescendo muito, recebendo muitas estações, tem construído outras para poder chegar à universalização, então é um desafio que tende a crescer e a Aegea está se preparando para poder ter compromissos sobre esse tema.

As condições dos rios no Brasil são bem preocupantes – estudo da SOS Mata Atlântica aponta que apenas 5% das amostras coletadas em 181 rios estavam boas para o consumo. Como enfrentar isso?

Nós falamos muito na quantidade de água doce, mas é importante debater a qualidade, pois o custo do tratamento da água está muito ligado à qualidade da água que é captada na natureza, então se você tem rios em condições melhores, essa água chega às estações de tratamento em condições de serem tratadas a um custo mais baixo. A água dos rios é usada também pelas indústrias, para gerar energia elétrica, para lazer, então é fundamental que a gente trate esgoto porque a maior contribuição de carga de poluição, principalmente nos rios urbanos, vem de esgoto. Na área rural tem o lançamento de agrotóxico, nos polos industriais, pode haver o lançamento de águas residuais das indústrias sem tratamento – apesar de que os órgãos de controle costumam ser rigorosos nessas áreas industriais. É urgente ter ações em conjunto para que os rios não sejam transportadores de esgoto, como historicamente aconteceu: “O esgoto é jogado no rio e o rio se vira”. Sabemos que a natureza não consegue mais dar conta dessa poluição e ampliar o saneamento básico é a melhor forma de melhorar a conservação dos rios.

ESG tem uma grande importância para o futuro da água; a Aegea tem essa preocupação?

Sim, ESG é esse conjunto de ações ambientais, sociais e de governança que veio com muita força porque chegou pelo setor financeiro, então isso é risco, os investidores cobram melhorias nesses pilares porque representam riscos para quem empresta o recurso financeiro às empresas; isso hoje é olhado com muita atenção pelo mercado financeiro, por isso ele chegou com força tão grande, então a Aegea sempre teve esse olhar muito forte para a cidade, temos a Licença Social para Operar, então a gente olha o território como um todo, tentando gerar prosperidade, nossos projetos sociais, nossas ações de olhar a cidade como um todo, aliados ao nossos pilares ambientais, como a gente olhou aqui, e a transparência, a redução das desigualdades, a equidade e a diversidade por meio do Programa Respeito Dá o Tom; tudo isso ajuda. Tudo isso acaba tendo impacto na forma como o nosso colaborador vê o tema da água, mas também os municípios onde a Aegea faz parte; precisamos ampliar e levar cada vez mais essa mensagem ESG onde a gente esteja, para essa cadeia produtiva, a fim de que a gente possa passar esse legado de conhecimento a todos.