edição 30 | janeiro 2021
Por Cleide Mello
Apesar de todas essas riquezas, a Organização das Nações Unidas (ONU) acaba de divulgar seu Relatório de Índice de Desenvolvimento Humano (IDH) relativo a 2019, publicado pela Agência Brasil, demonstrando que, nesse quesito, o Brasil não vai nada bem: acabou de cair cinco posições no ranking de desenvolvimento humano, passando do 79º para o 84º lugar entre 189 países.
Esse índice tem como base indicadores de saúde, educação e padrão de vida, calculados, respectivamente, pela expectativa de vida da população, os anos de permanência na escola e a renda média per capita. Nenhum deles anda bem, mas é nesse último item que uma diferença abismal vem à tona: o Brasil tem a 2ª maior concentração de renda do mundo, onde o 1% mais rico concentra 28,3% da renda total, só perdendo – por muito pouco – para o Catar, onde o 1% detém 29%. Ampliando o escopo, no nosso país os 10% mais ricos concentram 49,1% da renda total.
Ou seja, o que deveria ser tratado como sua maior riqueza – a população – apresenta índices de desigualdade social inconcebíveis. O problema maior é que, aqui no Brasil, essa desigualdade social tem cor e essa cor é preta. Conforme dados do Boletim das Desigualdades Sociais por Cor ou Raça no Brasil, do IBGE (2019), a população negra – soma de pretos e pardos – representa 75% entre os mais pobres.
Embora a educação tenha sido sempre um entrave para a inclusão de negros e negras no mercado de trabalho, com a implementação das cotas raciais nas universidades, o acesso dessa população ao curso superior passou de 11% para 30% em menos de cinco anos. Entretanto, embora a falta de qualificação não seja mais uma justificativa para a exclusão desses candidatos nas empresas, fica evidente uma barreira histórica: o racismo, nesse caso, institucional.
Um indício desse racismo corporativo foi denunciado em uma postagem no Linkedin pelo empresário Theo van der Loo, ex-CEO de uma empresa global. Ele conta sobre um conhecido seu, negro, formado em TI, com pós-graduação nos EUA, que se apresentou para uma entrevista e, quando o recrutador o viu, disse: “Eu não entrevisto negros”. Corroborando esse fato, o caderno de economia do G1 publicou recentemente que 38% dos homens negros e 33% das mulheres negras, mesmo com curso superior completo, estão exercendo funções que exigem apenas Ensino Fundamental ou Médio.
Daí a importância não só da área de recursos humanos, mas de as lideranças das empresas em geral se posicionarem para mudar essa realidade lamentável e isso deve ser feito não por caridade. Afinal, de acordo com o relatório Diversity Matters: América Latina 2020, da Consultoria McKinsey, as empresas que têm maior diversidade em seus quadros aumentam o nível de motivação de seus colaboradores – que tendem a tornar-se mais produtivos e criativos – e retêm mais talentos, o que resulta em melhoria da saúde organizacional. Além disso (ou por isso mesmo), empresas mais diversas apresentam maior probabilidade de aumento da performance financeira, quando comparadas às que não adotam a diversidade.
Em entrevista ao Linkedin Theo van der Loo acrescenta que a diversidade tem de existir nas empresas simplesmente porque é o certo a se fazer, o que me remete a uma palestra a que assisti há mais de dez anos, com Oswaldo Nascimento, na época o único diretor negro entre 20.000 funcionários no Brasil de uma empresa global: “Querer que um país se desenvolva deixando à margem da cidadania mais de 50% de sua população é o mesmo que querer que um avião decole com uma asa só, simplesmente não vai acontecer”. Infelizmente, dez anos se passaram e o avião continua com uma asa só…