edição 35 | abril 2022
Texto: Rafael Casado
O leiturista Yuri Moizés, de 28 anos, confere o hidrômetro, imprime a fatura no aparelho pendurado na cintura e deposita na caixa de correio de uma casa na comunidade Barreira do Vasco, na zona norte do Rio de Janeiro. Ele ainda não sabia, mas essa era a primeira vez, em mais de cinco décadas, que o pedreiro Davi Alves, 58 anos, recebia uma cobrança pelo consumo de água em sua residência.
Desde o dia 1º de fevereiro deste ano, a Águas do Rio (RJ) começou a emitir as contas de água e esgoto para moradores e comerciantes de comunidades da capital. A concessionária pretende regularizar, apenas em 2022, o abastecimento de pelo menos 100 mil imóveis em áreas de baixa renda e ampliar o benefício da Tarifa Social.
A cobrança vai muito além de um contrato de prestação de serviço. Para muitas pessoas ela abre oportunidades e traz uma vida nova. Pode parecer simples, mas é muito comum que famílias que residem em construções informais não tenham um comprovante de residência. Sem esse documento não se pode fazer um cadastro de emprego, solicitar empréstimo pessoal ou abrir uma conta em banco.
“É uma conta com peso de dignidade, de prova de existência dessas pessoas. Essa é uma forma de comprovar que o endereço que está sendo informado está correto e é real, ou seja, é mais uma maneira de o cidadão de comunidade tentar novos caminhos”, explica a presidente da Associação de Moradores da Barreira do Vasco, Vânia Rodrigues da Silva.
O trabalho das equipes do programa corporativo Vem Com a Gente, para regularização e melhoria dos sistemas de água e esgoto nas comunidades, também revelou dados novos sobre os índices habitacionais de áreas de baixa renda. Em alguns lugares, o número de imóveis cadastrados era o dobro dos índices registrados pelo Sistema de Assentamentos de Baixa Renda (Sabren), serviço da Prefeitura do Rio que reúne informações sobre favelas da capital.
Para se ter uma ideia, em alguns lugares, como na comunidade Barreira do Vasco, os dados do Sabren apontavam 2.869 imóveis. No entanto, durante mapeamento topográfico foi identificado o dobro de famílias, com 5.043 imóveis. Na comunidade da Mangueira, que teria 4.583, foram cadastrados 8.543 imóveis.
Isso se deve à verticalização das comunidades do Rio, que funcionam como um organismo vivo em constante transformação. A ocupação das lajes é um investimento para moradores que decidem vender o andar de cima para que outra família construa sua casa.
Essa é uma realidade típica do Rio e que impacta o trabalho da concessionária, como explica Diego Gomes, supervisor Comercial da concessionária. Ele, que é manauara, trabalhou na implementação das redes de água e esgoto em áreas de palafitas em Manaus (AM).
“Em um mesmo endereço temos três ou quatro famílias morando, porque foram subindo a construção. O número de economias fica muito maior que o inicialmente estimado. Além disso, em vários pontos, para implantar as tubulações em vielas, não é possível a entrada de máquinas. As escavações para instalação de hidrômetros e obras de melhoria são manuais. Vamos buscando a solução de acordo com o que a área permite”, conta Diego Gomes.
Apenas na capital, a concessionária fará intervenções em 525 comunidades de 124 bairros, sendo que cerca de 70% não estão urbanizadas ou apenas receberam obras de forma parcial. Essa realidade torna imprescindível o empenho da Águas do Rio na implantação dos sistemas de saneamento básico nessas regiões pobres para que pessoas como Davi Alves tenham direito à saúde, qualidade de vida e dignidade por meio de um serviço de qualidade.