EDIÇÃO 42 - 3º TRIMESTRE - 2024

Matéria
ESPECIAL

Cenário macropolítico e econômico

Visão ampliada para tomadas de decisão assertivas

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Texto: Rosiney Bigattão

“É o momento de conectarmos o nosso negócio com o cenário macropolítico e econômico”, disse Fabianna Strozzi no primeiro painel do primeiro dia do Encontro de Líderes 2024 – 1º Semestre, convidando André Pires, VP de Finanças e Relações com Investidores, a diretora de Operações Financeiras, Fabiana Judas, e o convidado Caio Megale, da XP Investimentos.

“Tudo o que estamos correndo atrás e conquistando, sempre temos de levar em consideração o contexto que estamos vivendo. A ideia do painel é apresentar essa realidade macroeconômica do ponto de vista geopolítico, que influencia de maneira importante o nosso processo de tomada de decisões em relação à disponibilidade de capital, em relação ao custo desse capital e, em especial, a um negócio de capital intensivo, que é o caso da Aegea”, afirma o VP André Pires (foto abaixo).

Saneamento: orgulho para a economia brasileira

Caio Megale, economista-chefe da XP Investimentos, que conhece tanto o setor privado quanto o público, trouxe uma visão bastante ampla e interessante do momento atual do mercado de saneamento.

“É uma honra estar aqui neste momento de reflexão e debates, em uma empresa que tem crescido tanto em um setor tão fundamental da economia brasileira. O saneamento nos dá muito orgulho e espero contribuir trazendo a nossa visão de cenário econômico para o Brasil, para o mundo, de curto prazo, deste ano e de 2025, quais são os principais desafios, a taxa de juros, de câmbio, PIB e inflação, temas que vão ser importantes para os negócios e para o crescimento econômico nos próximos anos.”

Inflação e incertezas

Segundo o especialista, o tema mais importante do cenário global é a inflação, o grande efeito colateral da pandemia.

“Parte do ajuste foi feito, mas o desafio continua. A pandemia teve o poder de sincronizar os ciclos econômicos, pois foi um choque muito forte ao mesmo tempo em todos os países. Começou em 2020 e em 2022 se tornou o grande foco da política econômica. Na tentativa de reverter, os bancos centrais na época da pandemia jogaram os juros para baixo – EUA zero, aqui no Brasil Selic a 2% –, então isso precisava ser reajustado. Os bancos centrais começaram a subir os juros e essa parte da demanda foi ajustada, trazendo a inflação para baixo”, aponta.

Com as medidas, no ano passado todo o mundo respirou aliviado, segundo o especialista.

“O próximo passo seria os bancos centrais cortarem os juros e tudo voltaria ao normal, mas a questão é que a inflação se estabilizou acima dos patamares anteriores. A economia também não desacelerou. A taxa de desemprego está bem abaixo em vários países – no Brasil, é a menor em sete ou oito anos. Veio a incerteza.”

“Normalizamos a política monetária, que foi expansionista durante a pandemia e depois se ajustou, mas a fiscal não foi normalizada – os gastos públicos, os programas de incentivo, as transferências de renda continuaram muito fortes, inclusive no Brasil. Na minha opinião, é o que está mantendo a economia aquecida e a inflação em alta”, pontua.

Cenário geopolítico global

“O mundo hoje está um barril de pólvora, tem três conflitos gigantes acontecendo ao mesmo tempo, em todos os EUA tem um lado muito claro e definido, o mundo se assusta com isso, as commodities sobem, o petróleo sobe, as pressões inflacionárias voltam e os governos injetam mais dinheiro na economia para não perder popularidade.”

“Tem ainda as eleições americanas, com um conceito populista e agressivo, onde não tem ajuste fiscal, os gastos vão continuar fortes. O cenário de inflação estagnado em alta, expansão fiscal, o banco central não conseguindo cortar os juros; é o mesmo no México, no Chile, na Colômbia ou no Brasil”, argumenta.

Juros em alta

Para ele, a grande consequência disso é que os juros globais devem ser mais altos nos próximos anos, pois os juros básicos do mundo são os dos EUA, que vai vigorar na economia americana nos próximos cinco a dez anos. “Todas as taxas de juros mundiais são construídas a partir das dos EUA, que é considerada a mais livre de riscos”, indica.

“Para o saneamento, um setor de longo prazo, que olha para 10, 20 ou mais de 30 anos, a taxa de juros de referência deve ser a dos 10 anos dos títulos públicos americanos, pois é o que o mercado acredita que vai ser a taxa média da próxima década. Ou seja: vamos conviver com taxas de juros mais altas, no mundo inteiro, pelos próximos anos.”

Potência brasileira

O último ponto importante do cenário global, segundo ele, é o índice de preços de commodities (agrícolas, metais e energia, por exemplo). “Para ter uma boa noção da perspectiva histórica, analisamos desde 2000. Sempre que as commodities sobem, o Brasil se dá bem – é um vento positivo para a gente”, diz.

“Somos uma potência em commodities – um a cada quatro pratos de comida do mundo é o Brasil que fornece, e as guerras vão demandar mais alimentos, além do crescimento.”

“Duas evidências: vai para qualquer parte do Brasil que é ligada ao agronegócio. Você vai ver grandes carros, torres sendo construídas, enfim, o dinheiro das commodities fazendo a economia girar. Segunda: quando o petróleo subiu de 55 para 80, durante a pandemia, o impacto sobre as contas públicas foi de R$ 300 bilhões. Isso permitiu dobrar o Bolsa Família e fazer outras políticas sociais, fazendo girar a economia. O mundo continua valorizando o que o Brasil produz”, afirma.

Para ele, o Brasil tem três grandes blindagens: “Somos uma powerhouse de commodities e o mundo sempre vai precisar comprar commodities, um mercado interno fabuloso, e a dívida do país é em reais, o Brasil não tem dívida externa. “Resumindo: nos próximos anos teremos um ambiente mais incerto, com juros mais altos, e principalmente com muita volatilidade geopolítica.”

Saneamento gerando crescimento

“O Brasil teve reformas importantes e o Novo Marco Legal do Saneamento foi uma delas, mas os próximos anos serão mais difíceis do que foram os últimos. A economia vai continuar crescendo, o PIB também, será o quarto ano de crescimento acima do que era o esperado, em parte por causa das reformas feitas, e o saneamento faz parte dessa história.”

Segundo Caio Megale, em 2022 e 2023, incluindo o último ano do Bolsonaro e o primeiro do Lula, foram os anos em que os gastos públicos mais cresceram na história recente do país. “O Brasil sai correndo atrás de receita, tem uma lista enorme de medidas que o governo lançou para aumentar a arrecadação. Mas dificilmente elas vão fechar a conta, e apesar de não ser tão crítico assim, o cenário poderia ser um pouco melhor, com contas mais equilibradas”, diz.

ESG e atração de investidores

Para o especialista, o setor de saneamento tem boas perspectivas de atrair investidores estrangeiros no longo prazo.

“É difícil competir com juros de 5% nos EUA, então no curto prazo será mais complexo. No longo prazo, que é o caso do saneamento, o investidor está procurando oportunidades. Os países emergentes são uma grande fonte de investimento e o Brasil está bem posicionado – apesar dos problemas, das dificuldades institucionais, tem poderes constituídos que funcionam, alternância de poder, se o Parlamento decide uma lei, ela vira lei, as agências regulatórias estão se estruturando, então as coisas funcionam relativamente bem. Diferente da Rússia, China ou Turquia, que são os nossos competidores, países que têm estofo para receber investimentos”, afirma.

“Outro aspecto importante é que o Brasil tem energia renovável. O tema ESG norteia os investimentos no mundo hoje.”