edição 31 | abril 2021
O pesquisador da Embrapa Walfrido Moraes Tomas explica a dinâmica das cheias e secas do Pantanal.
Texto: Rosiney Bigattão
Na época das cheias, a água encobre cercas e porteiras. Une céu e terra em uma só paisagem, uma refletindo a beleza do outro. Nesse período, em algumas regiões pantaneiras fica difícil achar um pedacinho de chão que não fique coberto de água. Lagoas, corixos e baías formam desenhos sinuosos que enchem os olhos do verde e azul exuberantes do lugar. Já na seca, quando os animais ficam mais visíveis e pássaros coloridos tingem o céu, alguns locais ganham características de deserto. Mas é quando a vida brota e a natureza mostra todo o seu esplendor. Apesar de tudo parecer uma coisa só, o Pantanal tem 11 microrregiões com solo, clima e vegetação diferentes. É uma região de ligação entre o Cerrado, o Chaco, a Mata Atlântica e a Amazônia, com flora e fauna características de cada um. A Embrapa Pantanal identificou quase duas mil espécies de plantas.
Uma das maiores extensões de área úmida do planeta é o menor bioma brasileiro, segundo o Ministério do Meio Ambiente. Mas, como bem disse o poeta Manoel de Barros, não se pode passar régua por ali. O pesquisador da Embrapa Walfrido Moraes Tomas confirma. “A divisão é geopolítica, não leva em conta as diferenças de tipologia, de vegetação, da natureza. Se dividem os pantanais tradicionais, não os ecológicos. É um grande e único bloco, extremamente variável. A Nhecolândia, por exemplo, uma das regiões pantaneiras, tem área perto da serra que é superalta, lá só inunda com chuva e nunca com água de rio. Depois vai baixando em direção aos rios Paraguai e Negro e, na parte mais baixa, muda de floresta para cerrado, vem os campos, alagáveis, que nem árvore têm. Continua sendo Nhecolândia, mas ecologicamente são completamente diferentes”, afirma.
“A água corta igual faca”, diz o peão pantaneiro José Agripino, que chega a passar 15 dias cavalgando em áreas alagadas em uma das comitivas que atravessam o Pantanal dos Paiaguás, outra região tradicional, transportando gado de um local a outro. O contato com a água destrói botinas e apodrece raízes das árvores que chegam a morrer por causa de longos períodos de alagamento. O Pantanal tem de encher e secar, ter um ciclo de cheia e seca. “Quando fica cheio permanentemente, não consegue cumprir um ciclo de vida e muitas espécies acabam morrendo. Só que tem uma substituição, no lugar delas acabam germinando outras que suportam a inundação”, conta Walfrido.
O pesquisador conta que as raízes das árvores são superficiais, pois o lençol freático fica muito próximo da superfície, então as raízes não penetram muito no solo. Quando se faz um pasto e ficam algumas árvores no meio dele, elas vão cair, pois não vão suportar o vento e a chuva. “As cheias dependem da quantidade de chuva que cai. O Pantanal enche por causa da declividade, que é praticamente inexistente – de um a dois centímetros por quilômetro. É muito plano. Por isso o Rio Paraguai faz muita curva, que a gente chama de meandro. A curva é a forma de a água procurar o caminho mais próximo para chegar ao mar”, diz Walfrido Tomas, da Embrapa.
“Na Aegea, quando dizemos que ‘a nossa natureza movimenta a vida’, nós estamos nos inserindo no ciclo desde o tratamento da água até a devolução do efluente tratado com as melhores tecnologias disponíveis no mercado, interagindo e convivendo com as comunidades”, afirma o diretor-presidente da Ambiental MS Pantanal, Celso Lino Paschoal Jr. Para ele, é um cuidado de forma integral. “A interdependência da vida no Pantanal depende de um ciclo que funcione sem fragmentos, para que essa cadeia não se modifique. Nosso trabalho busca uma aliança entre o homem e o ambiente que o cerca, trabalhamos reconstituindo a vida como ela deve ser. A Ambiental MS Pantanal chega para fazer a diferença na vida dos sul-mato-grossenses por meio de uma união de esforços com a Sanesul”, explica o diretor-presidente.
Para explicar como se dá o ciclo de cheia e seca do Pantanal, o pesquisador volta no tempo. “Quando as placas tectônicas foram se tocando, na formação dos Andes, há 165 milhões de anos, toda essa parte onde está o Pantanal baixou. Foi um afundamento enorme no meio do continente e todos os rios começam a convergir para essa bacia que foi formada. Carregam os sedimentos que se acumulam lentamente, formando a planície, onde as águas entram e extrapolam os rios por causa do escoamento baixo”, diz Walfrido. As chuvas, que acontecem entre novembro e abril, vão levar quatro meses para encher o Pantanal, que estará inundado na região de Corumbá em junho, em Porto Murtinho, mais ao sul, na saída do Pantanal, em agosto, mais ou menos.
O período de seca no Pantanal tem se prolongado.
As mudanças trazidas pelo ciclo das águas geralmente são anuais, mas não tem sido assim. Algumas regiões pantaneiras estão permanentemente alagadas, como é o caso da região do Rio Taquari. “O uso errado do solo, desmatamento perto do rio e plantio sem curva de nível provocam erosão que joga terra dentro do rio. Como no Pantanal o escoamento é lento, a água inunda grandes áreas e não consegue escoar. Começa a mudar a hidrologia, a causar uma situação muito complexa de inundação e seca no espaço e no tempo que altera todo o funcionamento do Pantanal. O Taquari é o caso mais crítico, mas parece que o desastre vai se repetir, o Rio Paraguai já está com alto nível de assoreamento. A gente chama de ‘taquarização’ do Pantanal”, diz Walfrido.
Outra questão é a seca. O ano de 2020 foi o mais seco já registrado, com 40% de deficit de chuva. Para se ter uma ideia de quão grave é, a Embrapa trabalha com cenários de previsão de mudança climática para a região e o pior deles mostra uma redução de 30% em relação à média a partir de 2070. “O Pantanal ficou 14 anos seco, entre 1960 e 1974, e se recuperou. Mas o que estamos tendo agora é uma sinergia negativa: extremo climático e ação humana errada. O contrário da década de 60, hoje já se tem conhecimento suficiente para saber que o fogo é danoso, não dá mais para admitir colocar fogo em um período de seca, em um ano extremamente seco, e causar incêndio catastrófico como a gente viu no ano passado. O impacto é muito, muito grande”, conta ele.
Quando o Pantanal não enche uma série de eventos acontecem: a reprodução de peixes diminui, a abundância de aves como garças e tuiuiús, que comem organismos aquáticos, também, tudo isso é afetado. “A tendência é de que os anos secos sejam uma constante daqui para a frente, então é de suma importância que se evitem novas queimadas, principalmente nos anos secos, pois tudo é uma questão de manejo”, pontua o pesquisador.
Graduado em Medicina Veterinária, especialista em Biologia de Ambientes Inundáveis, mestre em Ciências da Vida Selvagem, doutor em Ecologia e Conservação, e com mais de 35 anos de pesquisas, Walfrido tem esperança em ver a vida brotando novamente no Pantanal. “Sou otimista, mas também sou pé no chão. Precisamos diminuir os impactos das mudanças climáticas que vêm por aí, deixar de tomar decisões erradas em termos do uso da terra, principalmente nas bacias hidrográficas. Se o desmatamento das beiras de rios e as drenagens de nascentes continuarem, quando chegarem anos mais secos não vamos ter água para nada. A mitigação deve ser adotada no Pantanal para restaurar nascentes, replantar florestas em áreas onde tem recarga de aquífero e controlar erosão, são coisas básicas. Temos um cenário grave, mas há muito o que pode ser feito”, aponta.
Ter cidades mais saneadas, com os investimentos que serão feitos em praticamente todos os municípios do estado, não só nos pantaneiros, é outro motivo de esperança para toda a região do Pantanal. Walfrido conta que foi o saneamento que fez com que ele se tornasse um pesquisador da Embrapa. “Logo que terminei a faculdade, em 1984, como todo jovem eu era muito idealista. Ao participar de um evento para discutir as soluções para a conservação do Pantanal sul-mato-grossense, eu sugeri que todas as cidades ao redor deveriam tratar o esgoto. Alguém me ouviu e depois me procurou para que eu viesse para a Embrapa. Essa questão é muito séria porque, das ameaças que o Pantanal tem, boa parte delas vem de fora. O assoreamento, o lixo das áreas urbanas e os fertilizantes vêm do planalto. Então, tratar esgoto também é fundamental, pois esgoto sem tratamento causa problemas muito sérios nas condições físico-químicas dos rios, nos organismos, altera tudo”, finaliza.
Celso Lino Paschoal Jr., diretor-presidente da Ambiental MS Pantanal.
Uma atuação ampla que vai levar em consideração todos os aspectos envolvidos com os ciclos da água e da vida que envolvem o trabalho em saneamento. “Vamos atuar de norte a sul do estado, mas temos o Pantanal como identidade. É um ecossistema rico e diverso, um dos mais valiosos patrimônios naturais do Brasil. Com saneamento para todos e a natureza preservada, teremos um ciclo sem interferências: pessoas com saúde para estudar e trabalhar, valorização imobiliária, economia girando, um cenário propício para atração de investimentos e desenvolvimento”, afirma Celso Lino Paschoal Jr., diretor-presidente da Ambiental MS Pantanal. E continua: “Com investimentos na coleta e no tratamento de esgoto estamos trabalhando por futuros mais azuis em Mato Grosso do Sul. Garantindo a preservação dos nossos rios, estamos melhorando a vida de comunidades que dependem deles, possibilitando a preservação da fauna e reforçando a base para a manutenção de um ciclo que não pode se quebrar”. Leia mais sobre os investimentos que já estão sendo feitos na matéria da página 19.
Fonte: Embrapa Pantanal e Ministério do Meio Ambiente.