edição 36 | julho 2022
Rogério Tavares, vice-presidente de Relações Institucionais da Aegea.
Por: Ana Santos e Rosiney Bigattão
Rogério Tavares: Houve um avanço significativo, não tanto em termos de indicadores na prestação de serviços, mas na perspectiva de novos investimentos no setor. Foi feita uma série de leilões, de grandes leilões como o do Rio de Janeiro, que serviram para convalidar a ideia de que uma maior participação privada no saneamento, como o Marco Legal prevê, pode ser de extrema valia para se resolver um problema crônico de atendimento de água e esgoto no país.
Rogério Tavares: Ainda não, algumas pessoas dizem, entre elas inclusive o CEO da Aegea, Radamés Casseb, que estamos vindo de uma situação medieval em termos de atendimento e isso é muito válido, principalmente quando se olha para o Norte e Nordeste do país, onde os indicadores são piores. Considerando que há capitais na Região Norte com 50% da população sem acesso à água tratada, se isso não é medieval, é quase. Estamos em pleno século 21, e um país que pretende sempre ser um dos grandes pólos de desenvolvimento mundial, estar entre as maiores economias do mundo, não pode ter esse tipo de posição de desenvolvimento associada a um baixo índice de atendimento em água e esgoto. Para a expansão econômica são necessários serviços adequados em abastecimento de água e esgotamento sanitário, não tem como implantar polos industriais onde não tem nem água direito, quanto mais atendimento em esgoto.
Rogério Tavares: Existe uma boa perspectiva de recursos alocados, e com os leilões serão mais de R$ 70 bilhões para o setor que vão ser investidos, é uma perspectiva, mas não tinha isso antes. O volume de investimentos anuais dos últimos tempos trafega entre R$ 12 e R$ 15 bilhões por ano, em obras executadas. Pela minha experiência anterior à Aegea, os volumes de recursos contratados de empréstimos, e mesmo de transferências de recursos do orçamento da União, não eram maiores do que isso nesses últimos anos. Quando se tem uma alocação, via recursos privados, nesses leilões dos últimos dois anos, com um volume muito alto de recursos, está sendo sinalizada uma perspectiva de mudar o referencial de investimento no setor.
Rogério Tavares: Existe uma perspectiva, com a lei, de ter uma sequência de leilões e de processos de alocação de investimentos da iniciativa privada nos próximos anos, na direção de cumprir o Marco Legal, que é universalizar o atendimento em 2033 – ou até 2040, com a lógica de que não seja possível viabilizar em alguns lugares, notadamente nesses onde o índice de atendimento é muito baixo e onde não tem um patamar de renda média das famílias, que inviabiliza fazer investimentos muito pesados, digamos assim, ancorados em receitas tarifárias, se a população não tem renda para suportar. A tendência, pelo menos na minha percepção, é de que, na Região Norte e em um pouco da Nordeste, essa universalização vai chegar mais perto de 2040, como o próprio Marco Legal prevê. Para quem vem há anos e anos sem ter essa perspectiva, isso é extremamente positivo.
Rogério Tavares: Exato, até porque no Ranking do Trata Brasil, por exemplo, nos últimos lugares estão as capitais do Norte e Nordeste. E por que é difícil? O Marco Legal traz uma coisa que, ao mesmo tempo, é inteligente, mas, por outro lado, complexa, que é a questão da regionalização. Se você esperasse que município a município tomasse a decisão de delelgar os serviços para empresas com capacidade de bancar os serviços e universalizar, seria muito difícil. O Brasil tem 5.568 municípios, mais de 68% deles são pequenos, com menos de 20 mil habitantes, o que totaliza 3.770 pequenas cidades. Imagine um município de 15 mil habitantes, por exemplo. Ele não tem pessoal qualificado, não tem capacidade financeira e gerencial para poder articular um processo de estudo para delegação de serviços, nem mesmo para procurar uma agência de regulação a fim de fazer isso. O Marco Legal traz a ideia da regionalização pensando exatamente em resolver questões assim. Formam-se blocos de municípios para que o processo se dê de forma mais agregada, mais efetiva e mais rápida. Eles viabilizam o atendimento dos municípios menores com uma espécie de subsídio cruzado entre os que serão atendidos.
Rogério Tavares: O Bloco 4 do Rio, que a Aegea ganhou, é um bom exemplo, pois nele estão bairros da zona norte do Rio, a Baixada Fluminense e mais alguns municípios no interior. Claramente, primeiro, se fosse feito separadamente, município a município, o processo levaria anos. Segundo, não viabilizaria alguns municípios pequenos do interior que estamos atendendo neste conjunto que foi licitado. O leilão do Amapá, que não ganhamos, também é bem relevante nesse conceito. O estado tem 16 municípios em uma extensão territorial bastante grande. Afora a capital Macapá, o restante são pequenos municípios espalhados no interior. Há distância e dificuldade de acesso entre eles. A solução que foi encontrada na modelagem que o BNDES conduziu é a de que ou eu junto todo mundo ou essa conta não fecha. Eles licitaram o pacote todo e vai ser resolvido no conjunto. Um a um seria bem mais complexo.
Rogério Tavares: É um bloco só e havia uma companhia pública e, teoricamente, ela deveria ter exercido o papel de resolver a universalização, tirando partido dessa lógica de escala, mas ela não teve, vamos dizer, capacidade de gestão e financeira para fazer isso. A empresa foi criada na década de 70, ao longo dos anos a gestão se deteriorou e a companhia não teria condições de fazer nenhum investimento. Ela vinha sobrevivendo até com reporte de recursos do próprio governo estadual e não com a receita tarifária obtida da prestação de serviços, que era deficitária. O atendimento em água lá é um desses casos – era mais ou menos a metade da população em água e em torno de 3% de esgoto, então, a solução de escala vai resolver. São dois exemplos que tiraram partido da escala.
Rogério Tavares: Tem o caso do Acre, que é análogo ao do Amapá: se tirar Rio Branco não é muito simples de resolver a questão. Tinha uma modelagem pronta, com todos os municípios do estado, mas o prefeito de Rio Branco desistiu. Tem uma questão política, ideológica e até de competência para entender o processo como um todo. À primeira vista, perdeu-se uma oportunidade. O BNDES está olhando para alternativas, como, por exemplo, blocos de municípios do interior. Outro exemplo é o Amazonas. Nós operamos a capital, Manaus, mas as cidades do interior só é possível viabilizar, no nosso entender, se estiverem juntas para operar. A divisão por blocos está sendo estudada no Ceará para o atendimento em esgoto a fim de que a companhia tenha um parceiro privado para prestar o serviço de esgotamento sanitário, já que sozinha ela não teria condições. Essas diferentes modelagens podem ser replicadas ao longo do país, no nosso entendimento, com as PPPs de esgoto, pois em alguns lugares a companhia avançou no atendimento em água, mas é factível ela entregar a parte do esgoto para ser resolvida. É o caso de Mato Grosso do Sul, onde também estamos operando. A Sanesul já tinha praticamente universalizado o atendimento em água onde ela opera, precisava de investimento em esgoto, não teria condições de fazer e passou para a iniciativa privada.
Rogério Tavares: O potencial é muito grande para trazer resultados, além do atendimento à população, levando mais dignidade às pessoas, toda a preocupação da Aegea com o lado social, a empregabilidade das pessoas nas comunidades mais vulneráveis, temos condições, pela nossa eficiência operacional, de avançar e alavancar resultados onde uma companhia pública não teria condições de fazer. A questão dos blocos facilita, do ponto de vista do investimento, em avançar no atendimento à população. O Marco Legal sinalizou um novo caminho a ser seguido, possibilitando a participação privada, e não teria toda essa movimentação sem ele.
Rogério Tavares: O Novo Marco trouxe para o saneamento a oportunidade de ele ganhar palco, virou assunto de mídia, que não era. Hoje está toda hora nas TVs, nas redes sociais, há uma preocupação com o tema, que passou a ser discutido. Ganhou também o protagonismo em termos do mercado, inclusive. Tem muita gente olhando para o tema pelo viés financeiro. O importante é que se olhe para o tema e se faça com que ele seja discutido e se faça com que haja cobrança. Em alguns estados, findos esses dois anos, não houve grandes movimentos no sentido de criar blocos, de aderir ao processo. Tem outros em que os blocos foram criados mas nada aconteceu ainda. Se a cobrança não continuar, o assunto não continuar em pauta, se os instrumentos coercitivos que a lei traz não forem exercidos, isso pode se perder; esta é a grande preocupação nossa.
Rogério Tavares: Sempre foi pauta nossa e continuará sendo, mesmo tendo ganho a mídia convencional, que não falava disso. Havia uma certa confusão sobre os serviços, muita gente não tem noção do serviço ou da falta dele. Me incomodava o fato de as pessoas não se importarem com a falta desse serviço tão essencial. Agora a consciência de que esse serviço é essencial, de que ele faz parte de ganhos de dignidade por parte da população, apareceu, está nas pautas e é importante que se olhe para o tema e se faça com que ele seja discutido e com que haja cobrança, pois há muito a ser feito.
Rogério Tavares: O Brasil chegou a situação com 1.107 pequenos municípios onde companhias públicas prestavam serviços e nos demonstrativos de comprovação de capacidade econômico-financeira eles não foram incluídos. Ao não incluir, elas admitiam que não tinham condições de prestar os serviços e, em tese, os contratos que essas companhias têm nesses locais são irregulares, o que não quer dizer ilegal. Significa que, se ninguém fizer nada, a companhia vai ficar ali, prestando o serviço. Em tese, o município, que é o titular do serviço, deveria questionar, retomar os serviços e licitar. Se ele fizer sozinho, não tem acesso a recursos federais para o saneamento. O ideal é que ele tenha um movimento articulado com o governo do estado para procurar um bloco onde possa haver uma delegação de serviços. Só aí se tem claramente uma janela em que algo terá de ser feito e muito da responsabilidade está na mão do município. Além dos pequenos municípios, outras sete companhias também não entregaram. Pela mesma lógica, se não entregaram os documentos, os contratos que elas têm com os municípios estão irregulares e, da mesma forma, deveria haver um movimento. O que se espera agora é que o próprio governo federal ajude nesse processo. No meu entendimento, deveria haver um decreto esclarecendo esses movimentos que são possíveis, seria mais um instrumento para amparar o que está no Marco Legal e favorecer a continuidade do processo.
Rogério Tavares: É outro ponto bem importante que o Marco Legal trouxe para que a universalização aconteça e a questão da supervisão regulatória será exercida pela Agência Nacional de Águas e Saneamento, a ANA. Ela já começou a editar normas e tem um calendário de edição que deve render ainda um dois anos para ter normas de referência que tenham de ser seguidas pelas agências reguladoras municipais ou regionais.
Rogério Tavares: Sim, mas a culpa não é propriamente da ANA, ela precisa de pessoal, recebeu profissionais de outros organismos do governo que migraram para lá, mas isso ainda não é suficiente, tem de haver um concurso. Isso responde a uma boa parte pelo atraso. Em contrapartida, para ter um processo efetivo estão sendo feitas consultas públicas para cada edição de normas. São pedidas sugestões, faz-se uma versão de texto, é um processo lento, mas consistente. Não adianta produzir normas que, no fim das contas, não ajudem em uma padronização regulatória que funcione, que seja eficiente. O instrumento central da regulação é o contrato, então precisa tratar bem a questão do reajuste de tarifa, que precisa ser automática, e no Brasil os reajustes são sujeitos a várias injunções políticas, mesmo que, pelo contrato, a empresa tenha direito a um reajuste a cada 12 meses, isso devia ser automático. Isso tem de mudar, todos entendem que precisa mudar, a ANA entende que isso precisa ser olhado com cuidado. Outro aspecto são as indenizações para companhias públicas que vão saindo por eventual existência de ativos não amortizados, é preciso definir os critérios para fazer isso, tudo tem de ser estabelecido de uma forma clara pela ANA, porque, senão, em cada lugar vai funcionar de um jeito.
Rogério Tavares: De uma certa forma, está funcionando, eventualmente se recorre à Justiça, mas o que a gente quer é que tenha um movimento para que não se dependa mais desse mecanismo, que o reajuste seja automático e que ele possa ser discutido a posteriori e não a priori. Para novos players, do exterior, a questão da segurança jurídica pode ser um impedimento, pois os investidores costumam estudar para ver o que pode acontecer. Eu tenho a convicção de que, estabelecidas essas normas de referência, tudo tendo sido equacionado de forma satisfatória, e eu creio que o será, a tendência é de que mais investimentos comecem a vir para cá, pois todo o mercado entende que este setor é a grande oportunidade de investimento com retorno adequado que se tem no momento. E isso, digamos, grandes players internacionais concordam, apenas eles só querem entender melhor o processo e o Brasil. Quem já está aqui enxerga e sabe como trabalhar, que é o nosso caso, sabemos enfrentar esses eventuais riscos regulatórios de uma forma bastante profissional, com consistência, e isso é um dos fatores que nos colocam na situação de liderança. Temos dentro da companhia o conhecimento acumulado que nos ajuda a enfrentar essas dificuldades.
Rogério Tavares: O BNDES é o caminho adequado, os grandes blocos, como foi o caso do Rio, vão ficar com ele. A Caixa tem feito os menores e vai continuar fazendo, ao mesmo tempo em que ela direciona muitas modelagens para a área de resíduos sólidos, que é outro segmento que começa a ser enfrentado com regras mais adequadas. Tem algo em torno de R$ 700 milhões que estão sendo alocados por um novo fundo que está na mão do Ministério de Desenvolvimento Regional. O ideal, para tudo que vem pela frente, é que tenha mais gente cuidando de modelagens. Pode até ser estruturado um fundo com capital privado, mas com alguma instituição que dê respaldo para o investimento, para não haver problemas; esse tipo de desenho também é possível.
Rogério Tavares: Eu entendo que sim, a lógica da Aegea é estudar as oportunidades e, eventualmente, participar. Vêm novos leilões por aí, este ano deve ter o leilão da PPP de esgoto do Ceará, deve ter o do Rio Grande do Sul, de venda de participação acionária, processo que é interessante também, tem a modelagem do processo isolado de Porto Alegre, que vinha sendo desenvolvida, mas a prefeitura decidiu incluir drenagem, atrasou um pouco e deve sair no início do ano que vem. Deve sair também a modelagem de alguns blocos da Paraíba e, possivelmente, alguma coisa na Bahia. Mas este ano, como há um processo eleitoral, se tem uma certa dificuldade de avançar, só os que já estavam mais avançados. Existem uns 20 municípios tentando fazer leilões de concessão isolados. Mas é difícil que frutifiquem, tem muita judicialização, questionamentos, estamos acompanhando todos os processos.
Rogério Tavares: Sim, acredito que deve acontecer em 2040, porque, como eu citei, tem áreas em que o atendimento é muito precário, cujo processo para delegar serviços nem começou, então vai depender de mudança de governo, novos governadores que se interessem em movimentar isso. No meu entendimento não é possível que se universalize tudo em 2033, mas vai chegar em 2040 com quase tudo resolvido. No fim da linha, considerando a situação medieval que a gente tinha, se chegar a 90% e 80% de esgoto a gente já fez muito, vamos estar no rumo, isso que é importante, a velocidade também importa, mas, se avançar significativamente, já teremos feito uma enorme contribuição ao país. O importante é que se faça muito, mas não depende só de nós, uma empresa privada, que queremos trabalhar nessa direção de atender as pessoas, mas depende muito dos governantes de continuarem nesse processo. Nos cabe cobrar, manter o foco, acompanhar lá em Brasília o que está acontecendo para influir no processo de tal sorte que ele não saia dos trilhos, e aí vamos chegar à universalização, em 2033 ou 2040, o que será um sucesso para o país.
Vice-presidente de Relações Institucionais da Aegea, Rogério é graduado em Engenharia Civil pela Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro (PUC-RJ). Membro do Conselho Consultivo e coordenador do Comitê de Recursos Hídricos e Saneamento Básico da Associação Brasileira da Infraestrutura e Indústrias de Base (Abdib). Tem vasta experiência como palestrante em diversos eventos, tendo ministrado mais de 150 palestras, nos últimos dez anos, sobre o setor no Brasil. Foi responsável pela estruturação, contratação e administração de operações de crédito de longo prazo a tomadores públicos e privados para investimentos em saneamento ambiental e infraestrutura econômica, quando atuou como diretor-executivo de Infraestrutura e Saneamento da Caixa Econômica Federal.
Dois anos se passaram desde a aprovação do Novo Marco Legal do Saneamento (Lei nº 14.026), em 15 de julho de 2020, que gerou esperanças para o avanço do saneamento básico no país ao estabelecer novas diretrizes para o setor. O Brasil avança lentamente no sentido da universalização: a ausência de acesso à água tratada atinge quase 35 milhões de pessoas e 100 milhões de brasileiros não têm acesso à coleta de esgoto, refletindo em centenas de pessoas hospitalizadas por doenças de veiculação hídrica. Os dados do SNIS 2020 apontam que o país ainda tem uma dificuldade com o tratamento do esgoto, do qual somente 50% do volume gerado é tratado – isto é, mais de 5,3 mil piscinas olímpicas de esgoto sem tratamento são despejadas na natureza diariamente.
O Novo Marco Legal do Saneamento contribui para a constituição de uma base legal que incentiva os investimentos no setor, visando aumentar a oferta do serviço para uma gama maior da população. Suas principais alterações podem ser sintetizadas em cinco principais pontos: (i) definição de metas para universalização dos serviços até 2033, garantindo que 99% da população brasileira tenha acesso à água potável e 90% ao tratamento e à coleta de esgoto; (ii) aumento da concorrência pelo mercado com vedação a novos Contratos de Programa; (iii) maior segurança jurídica para a privatização de companhias estatais; (iv) estímulo à prestação regionalizada dos serviços; e (v) criação de um papel de destaque para a Agência Nacional de Águas e Saneamento Básico (ANA) na regulação dos serviços.
Diante deste cenário, o Instituto Trata Brasil, em parceria com a GO Associados, divulga o estudo inédito “Avanços do Novo Marco Legal do Saneamento Básico no Brasil – 2022 (SNIS 2020)”, com o objetivo de avaliar o estágio de implementação e os impactos socioeconômicos que poderão ser promovidos pela Lei nº 14.026/2020 – o Novo Marco Legal do Saneamento Básico.
O estudo destaca dois pontos previstos pelo Novo Marco Legal que aconteceram nos anos seguintes a sua aprovação: a apresentação da capacidade econômico-financeira para a universalização dos serviços até 2033, principalmente pelas concessionárias estaduais; e a formação de blocos regionais de prestação dos serviços de água e esgotamento sanitário.
Dos 3,9 mil municípios que deveriam apresentar a documentação da capacidade econômico-financeira, segundo o Decreto nº 10.710/2021, que tinha como prazo 31 de dezembro de 2021, 1,1 mil municípios, quase um terço desse grupo, sequer apresentou a comprovação ou foi considerado irregular pelas respectivas agências reguladoras. Mas 2,4 mil (cerca de 62%) estão em situação absolutamente regular e 325 foram considerados regulares, mas com alguma espécie de restrição.
Fonte: SNIS. Elaboração: GO Associados.
Municípios com capacidade econômico-financeira comprovada são aqueles com melhores indicadores de atendimento de abastecimento de água e de esgotamento sanitário e chegam a investir R$ 50,39 a mais por habitante em relação aos municípios irregulares.
Os municípios com contratos em situação irregular são justamente os que mais precisam despender recursos e investir em expansão de rede visando à universalização. São quase 30 milhões de brasileiros nessas localidades e seus indicadores de atendimento de água e esgoto estão bem distantes da média nacional. A população com acesso à água nesses municípios teria de passar de 64,4% para 99% e a cobertura de esgoto teria de subir de 29,1% para 90% até 2033 para se alcançar a universalização prevista no Novo Marco Legal do Saneamento.
Fonte: ANA. Elaboração: GO Associados.
Como é possível observar no mapa, a maioria das cidades em situação irregular concentra-se nos estados do Norte e do Nordeste do Brasil, justamente aqueles que concentram a maioria das companhias estaduais que não apresentaram a documentação exigida pelo Decreto nº 10.710/2021. Por consequência, são esses os estados que concentram a maior parte da população que reside em municípios em situação irregular.
Fonte: ANA. Elaboração: GO Associados.
Enquanto 13,9% da população brasileira reside em municípios irregulares quanto à prestação dos serviços de saneamento de acordo com o Decreto nº 10.710/2021, este índice é superior a 60% em estados como Maranhão, Pará e Piauí, chegando a 100% dos municípios nos casos do Acre e de Roraima.
Os municípios têm até 30 de novembro de 2022 para possuírem lei aprovada com regionalizações de saneamento básico, que podem ser estruturadas de três maneiras: Região Metropolitana, Unidade Regional de saneamento básico e Bloco de Referência. Três estados (Acre, Pará e Tocantins) sequer protocolaram projeto de lei (PL) junto ao seus respectivos Legislativos, e outros três (Mato Grosso, Goiás e Minas Gerais) ainda aguardam a tramitação desses PLs junto às suas Assembleias Legislativas.
Há um longo caminho entre o atual patamar dos indicadores de atendimento e aqueles previstos no Novo Marco Legal do Saneamento Básico. O Ministério do Desenvolvimento Regional (MDR), no Plano Nacional de Saneamento Básico (Plansab), encontrou uma necessidade de cerca de R$ 507 bilhões para se atingir a universalização até 2033, a preços de dezembro de 2020.
Estes valores não consideram os investimentos realizados nos anos de 2019 e de 2020, que correspondem a aproximadamente R$ 19,9 bilhões e R$ 16,1 bilhões, respectivamente, a preços do mesmo período. Ao subtraírem-se estes investimentos do montante calculado no Plansab, restam ainda R$ 471 bilhões a serem investidos.
Dividindo, portanto, o montante restante à universalização por 13 anos (período compreendido entre 2021 e 2033), obtém-se uma média anual de investimentos de R$ 36,2 bilhões. Para fins de comparação, o investimento médio dos últimos cinco anos disponíveis no SNIS (2016-2020), a preços de dezembro de 2020, equivale a aproximadamente R$ 17,1 bilhões, o que significa que o investimento anual precisaria mais do que dobrar não somente em 2021, mas em todos os anos subsequentes, para a universalização ser possível até 31 de dezembro de 2033, conforme previsto no Novo Marco Legal do Saneamento Básico.
Segundo o estudo “Quanto custa universalizar o saneamento no Brasil?”, desenvolvido pela consultoria KPMG em julho de 2020, a necessidade de investimento calculada, a preços de dezembro de 2020, é de R$ 993 bilhões, valor bastante superior ao do Plansab.
Ao subtrair os investimentos de 2019 e de 2020, obtêm-se R$ 957 bilhões que ainda precisariam ser investidos para se atingir a universalização, um investimento médio anual de aproximadamente R$ 73,7 bilhões entre 2021 e 2033, o que significa que o investimento precisaria mais do que quadruplicar a partir de 2021.
Os investimentos no saneamento geram impactos positivos em diversos setores, resultando em ganhos para a economia brasileira. Levando em consideração o cenário de investimento do Plansab, de R$ 36,2 bilhões anuais para se alcançar a universalização, a economia brasileira potencialmente se beneficiará com um crescimento do PIB de aproximadamente R$ 45,5 bilhões anualmente.
Estes resultados se tornam ainda mais impressionantes quando se levam em consideração outras variáveis macroeconômicas, como arrecadação tributária e emprego. O valor investido tem potencial para gerar um aumento na arrecadação tributária de mais de R$ 2,9 bilhões anuais e proporcionar ao mercado de trabalho a criação de 850 mil novos postos de trabalho permanentes.
Fica evidente a necessidade de que ocorra um salto nos investimentos necessários para se alcançar as metas de universalização até 2033. Leilões, parcerias e concessões demonstram ser um caminho para que ocorra a ampliação da capacidade de investimento no setor e a utilização eficiente dos recursos públicos. Desde 2020, o BNDES participou da elaboração das licitações de importantes projetos de concessão no setor de saneamento, como o leilão dos blocos 1, 2, 3 e 4 da concessão dos serviços de água e esgoto no Rio de Janeiro, os blocos A, B e C em Alagoas e a concessão dos serviços no Estado do Amapá. Nos próximos anos, o banco prevê a licitação de importantes projetos de saneamento, principalmente em estados com baixos índices de cobertura dos serviços prestados, como no Ceará, na Paraíba e em Rondônia.
É importante ressaltar que, entre 2016 e 2020, o investimento total em saneamento foi de R$ 86,22 bilhões. O investimento no período de cinco anos demonstra o esforço que ainda precisa ser feito para se alcançar o investimento ideal para a universalização.
Fonte: SNIS. Elaboração: GO Associados.
“O estudo deixa claro que os investimentos no setor precisam evoluir consideravelmente para que se possa cumprir as metas estabelecidas no Novo Marco Legal do Saneamento. Dois anos após a aprovação do Marco, é possível avaliar uma mudança de cenário, principalmente com os investimentos garantidos por meio de leilões, concessões e parcerias no setor. Entretanto, ainda é necessária a busca de soluções para municípios com contratos irregulares, cujos índices de saneamento são bastante precários. Investir em saneamento básico garante mais saúde e qualidade de vida para toda a população” – Luana Siewert Pretto, presidente-executiva do Instituto Trata Brasil.
“O estudo faz um balanço dos avanços no setor dois anos após a aprovação do Novo Marco Legal do Saneamento. O caminho pela frente é longo, principalmente para municípios ou estados em situação irregular, mas os ganhos são inquestionáveis” – Gesner Oliveira, sócio da GO Associados.
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