Matéria de
CAPA

edição 39 | 2023 | abril a junho

Futuro da água

AÇÕES HOJE QUE CONTRIBUEM PARA OS RECURSOS DE AMANHÃ

Radamés Casseb,
CEO da Aegea.

Texto: Rosiney Bigattão

Para falar sobre o futuro da água é preciso contextualizar as mudanças estruturais globais das últimas décadas, caracterizadas por um ambiente instável, agressivo e desafiador. Vamos traçar um panorama: quando a gente olha para a frente, para o futuro, de uma maneira geral, o que está acontecendo de maneira estrutural? Tem o cenário resumido no termo VUCA – volatilidade, incerteza, complexidade e ambiguidade, que traduz as incessantes mudanças de forma rápida, complexa e aberta que estamos vivendo.

“Tem um cenário cada vez mais incerto vindo à frente, com eventos que não são bons ou ruins, mas geram consequências, positivas e negativas, para diversas áreas. Os climáticos, que ocorriam a cada 10 ou 20 anos, têm aumentado a frequência anual em razão do aquecimento global. Vimos na Europa pessoas morrendo por causa do calor e, ao mesmo tempo, nevascas históricas paralisando tudo. O processo do aquecimento global faz com que haja uma luta por carbono zero para evitar e mitigar os efeitos das crises causadas pelas mudanças que já estão acontecendo”, diz o CEO da Aegea, Radamés Casseb.

Enfrentando as mudanças

Para ele, boa parte desse coeficiente de ajuste vai se dar em água. “Chuva extrema exige que sejam criados mais piscinões, mais amortecimento para que essas águas não carreem e não destruam as cidades. Em contrapartida, na escassez de chuva são necessários mais reservatórios; preservação de mananciais de forma cada vez mais objetiva; redução do desperdício de água e mudanças no processo de produção de cadeia de valor para poder disponibilizar esse efetivo em movimento. Nas cidades que sofrem frio ou calor extremos, vai ter de se criar acomodações que possam se adequar para que as pistas não derretam por causa do calor, que as pessoas possam caminhar em altas temperaturas e ter um sistema de água para retomar o funcionamento dentro de um regime adequado. Então a água, falando do ambiente externo ao corpo humano, vai ser o regimento de equilíbrio desse ecossistema que já está em mudança”, afirma.

Outro desafio que o mundo está vivendo é o distanciamento social. “A pandemia afastou as pessoas, desestruturou algumas cadeias econômicas, aproximou muita gente digitalmente, mas afastou mercados. Os pobres ficaram mais pobres e mais vulneráveis às doenças, à falta de trabalho e de educação. Os mais ricos estão ainda mais ricos e a tendência é de que essa diferença aumente as tensões sociais. Estão aí os shopping centers e os condomínios como lugares protegidos para poder circular com riscos menores, estando dentro de ‘castelos’, seguros, e não na rua, expostos. Um tensionamento que aumenta com o desemprego e a falta de oportunidades. Globalmente, as disparidades geram crises que permitem distorções sobre o que é importante com uma volatilidade na mesma instância – discussões populistas ocupam representatividade e temas super-relevantes, como as mudanças climáticas e a fome no mundo, ficam em terceiro ou quarto planos”, diz.

O cenário brasileiro

O déficit do setor de saneamento no Brasil deve ser encarado com responsabilidade, e pela ótica da agenda ESG, a fim de que os desafios se transformem em oportunidades para a solução conjunta dos grandes dilemas, segundo o CEO da Aegea. “Sustentabilidade é a palavra, pois a Aegea formalmente atua em contratos de longuíssimo prazo, então precisa olhar qual a consequência dele em 30 anos, em 50 anos, e não tem como olhar tanto tempo para a frente sem sustentabilidade, se o equilíbrio não estiver na base desse raciocínio”, diz ele. Além disso, para ser agente de mudança, segundo ele, temos de lembrar do “glocal” – pensar no global, mas agir localmente.

É com este olhar conectado ao ambiente global, mas comprometido com as realizações do dia a dia, que a Aegea busca as soluções para ajudar a construir um futuro mais sustentável para todos. “Continuar realizando, amadurecendo a empresa, fortalecendo a nossa cultura, continuar se comportando da maneira que nos trouxe até aqui é determinante para sermos capazes de fazer mais e irmos além. A gente tem muito para fazer hoje e, acredito, estamos fazendo”, diz.

O legado que vem sendo construído pela Aegea

“O setor requer investimentos da ordem de R$ 700 bilhões para suprir o déficit. Diante do cenário de incertezas globais, ao investir para aumentar a cobertura de água e esgoto tratados, é preciso que cada um – empresas privadas e públicas, governos e sociedade – tenha responsabilidade para, ao atuar nessas franjas, crie oportunidades que contribuam de forma sustentável com todo o ecossistema, gerando oportunidades de emprego para os mais vulneráveis e priorizando diminuir distâncias por meio da economia familiar. Este é um olhar que está na mão de cada gestor, de cada executivo, de cada investidor, de cada financiador, porque isso ajuda a mitigar os efeitos”, argumenta Radamés.

Por diligência de raciocínio, a Aegea faz planejamento de longo prazo. “Em relação à água, o planejamento de 30 ou 50 anos tem enormes vantagens, pois planejar reservação com maior amplitude, para evitar que os períodos mais secos ofereçam danos de desabastecimento ou de crise para aquela população, traz muita segurança. Estamos fazendo isso em Mato Grosso e em Mato Grosso do Sul, aumentando as reservações para que os períodos de estiagem, que já afetam aquelas regiões pelo El Niño, provocando desabastecimento durante até três semanas, fossem resolvidos”, conta Casseb.

Proteção dos mananciais

Outro viés de atuação é a proteção dos mananciais. A Aegea iniciou, junto ao BNDES, um processo de reflorestamento em mananciais com o matchfunding – versão de financiamento coletivo entre empresas –, fazendo com isso um cinturão de proteção ambiental para a produção de água no Pantanal, na Bacia do Guariroba, uma das fontes de abastecimento da capital de Mato Grosso do Sul, e em alguns igarapés, em Manaus (leia mais sobre o assunto em Meio Ambiente).

Em todos os municípios onde atua, a Aegea prioriza, em sua cadeia de fornecedores, as empresas locais. Assim, consegue ativar a economia com a geração de empregos nessa rede de atendimento de serviços, deixando mais impostos e gerando mais produtos nessa cadeia local.

Inclusão social

A Aegea também faz a inclusão sanitária com remédios tarifários cujo símbolo é a Tarifa Social, que reduz o valor pago pelos serviços e amplia a oferta da redução na água, que é prevista originariamente nos modelos contratuais em torno de 3% a 5%, para mais que o dobro. “Acreditamos que a franja vulnerável do tecido social precisa ser incluída, não só com infraestrutura, mas também com condições para que eles tenham dignidade na prestação de serviços, para que isso não seja uma esmola, uma benesse, mas, sim, uma relação de respeito neste momento temporal adequado”, afirma o CEO.

Regeneração dos mananciais hídricos

“Claro que com o efeito transacional desse negócio – a coleta da água, a preservação do material, a inclusão das pessoas, a geração de empregos, reúso, economia circular – você também gera externalidades positivas, de fazer esse ciclo da água funcionar pleno, que é a regeneração dos mananciais hídricos nas regiões – a Lagoa de Araruama, na Região dos Lagos, é o primeiro exemplo do que aconteceu nesta jornada, que é inspirador para esse futuro de escassez. E a Lagoa Rodrigo de Freitas, no Rio de Janeiro, está há poucas semanas de ter uma estabilidade, de transparência, de qualidade de água que nunca teve desde que ela foi criada. A Baía de Guanabara aponta para respiros de excelência em pequenos retalhos nos lugares onde as primeiras intervenções da Águas do Rio já aconteceram, simplesmente por emendar o ciclo, fazer ficar contínuo, nossa logo funcionando”, diz Radamés.

Para Radamés Casseb, são dilemas de uma empresa que vive hoje em sintonia com o futuro, pois atua segundo a Licença Social para Operar, com o compromisso de movimentar vidas, o que implica deixar um legado. “O futuro da água é o ajuste dessa acomodação social onde a disparidade é enorme, onde o emprego foi desestruturado, onde a temperatura sobe e o hábito muda, onde os mananciais, sejam eles para a suficiência de saúde ou econômica como no Rio, são tão importantes, então a companhia tem um papel, e se vê com uma responsabilidade importante. O que estamos fazendo é pouco, não resolve todo o problema, mas é um movimento nesta direção”, argumenta.

Autorresponsabilidade e consciência pela percepção

Radamés compara a reflexão necessária em relação ao futuro da água com o que aconteceu na pandemia. “Quando a pandemia veio, assistimos em tempo real a uma uniformidade de conceitos acontecendo. Saúde em primeiro lugar, o cuidado com o outro, porque o infectado pode infectar o teu próximo, a empatia de maneira geral, uma preocupação uniforme com o esclarecimento das informações técnicas em detrimento dessa visão populista, derrubada de fronteiras do ponto de vista de infraestrutura de supply, no que dizia respeito às atividades médicas, o envio das vacinas, de materiais médicos, equipamentos de limpeza, ou seja, a consciência aumentando. Em relação à água, a consciência vem, seja pela percepção das consequências ou pela discussão, como a ONU protagoniza. Quem se posicionar mais cedo, transformando as suas cadeias, vai sofrer menos consequências em um momento posterior”, afirma ele.

Para ele, a mudança não é top down, ela acontece organicamente a partir de cada um. “A gente vive em comunidade e é um movimento orgânico que inclui um pouco do propósito de cada um de nós em querer uma vida saudável, de deixar uma cidade mais digna e mais justa para nossos filhos morarem, que estejam coerentes com todo esse processo. Isso é senso de autorresponsabilidade, é olhar com responsabilidade social e ambiental e um comportamento de busca por um lugar mais seguro e sustentável para que nossas famílias e nossas comunidades continuem a prosperar. Quem sabe a gente consegue inspirar mais gente para pensar do mesmo jeito, para pensar junto, ou se deixar influenciar por iniciativas que façam sentido”, finaliza Radamés Casseb.